A começar por me apresentar uma parte da cultura brasileira da qual eu não sabia que era tão ignorante: a tropicália. Cresci ouvindo Caetano Veloso, li algumas de suas incursões literárias, sempre achei ele e Gil mais poetas do que músicos - o que me fez perder o interesse pelo movimento em face da musicalidade melhor casada com as letras do Clube da Esquina. Mas ver o nascimento d'Os Mutantes, a importância e influência deles em cantores que sempre gostei (como o Beck Hansen, que fez um cd inspirado por eles, "Mutations"; ou a primeira Marisa Monte, Pato Fu), me fez ver que eu já apreciava o trabalho de forma indireta.
Interessante também rever de perto a estética visual da banda, sem igual até hoje - principalmente nesses nossos tempos pobres de aparência vindo antes da música.
A geração d'Os Mutantes muito saudavelmente não ouvia os adultos, os inimigos da época eram conhecidos – e me lembrei de nós, que seguimos tentando dar alguma forma aos nossos próprios inimigos, mas sempre parando no meio do caminho, se entretendo pelo confortável mundo que nossos pais nos deram, conforto que nos prende, silenciosamente, na inação. Toda nossa geração é imensamente conservadora diante de Arnaldo Baptista, que fez do "distraídos venceremos" uma filosofia real para a vida, baseada nessas idéias hoje fora de moda como alegria, inocência, ironia (em formas mais sinceras).
O peso que eu não esperava carregar nessa tarde vadia de férias era a reflexão sobre as relações entre as pessoas. Arnaldo Baptista se transformando do jovem feliz no adulto, expondo os traumas dessa mudança, tão comum e ruim a todos. Perder o primeiro amor, usar drogas, ser um estranho para o próprio irmão, ser incompreendido pelo movimento que criou, e ver os beneficiados de sua criação o abandonando quando, aparentemente, a "fonte" havia secado - tudo isso criando um abismo misterioso e inevitável para ele mesmo. Achei tocante ver Sérgio Dias falando da sua intransigência da juventude, a obsessão que o jovem tem por suas idéias, passando por cima das pessoas, sem nenhuma flexibilidade pra entendê-las - tal atitude foi um dos motivos, segundo ele, para também se opor ao irmão. Apesar de um certo tom demagógico, (afinal se trata do, oh, virtuose Sérgio Dias, que pela sua declarações na tv, sempre achei que fosse o líder d'Os Mutantes) foi uma fala muito bem encaixada no contexto, figurou claramente na minha cabeça como a minha própria intransigência diante do que não se pode compreender e, enfim, não esperava isso.
O documentário segue o movimento de ascensão do mito Arnaldo Baptista, seu momento de "queda" e reascensão, procurando humanizar o "gênio". Esta intenção é bem trabalhada no vídeo, mas chega até o limite: "fiquei com ele porque não tinha mais ninguém, sobrou pra mim", diz a esposa atual de Arnaldo – depois desta fala, já não é possível não ver o protagonista como um pobre coitado, revestindo nosso olhar (que fora tão bem conduzido ao longo do filme), agora, de uma pequena dose de triste pieguice.
Outra reflexão importante que se faz presente é a precariedade no trato com arte e artistas no Brasil, atitude cuja conseqüência é a pobreza cultural cotidiana das massas no país (e me incluo nela, já que eu não sabia nada mesmo sobre Os Mutantes). Isso faz com que figuras importantes como Arnaldo Baptista só se tornem melhor reconhecidas no exterior, e aqui, sejam engolidas por julgamentos sobre sua vida pessoal – esquece-se de toda a arte, que distingue tão bem o protagonista de um simples louco.
Mas, enfim, assistam, é um capítulo importante da história de todos nós, não se identificar um pouco que seja com as canções, os atos, as histórias, as relações, as roupas, as idéias é quase impossível.