As rugas são a melhor matéria-prima para um ator. Uma longa trajetória marcando o rosto, uma história comprida que não é contada, mas está forte, presente e gritando entre os silêncios. Isso é um pouco de Judi Dench em “Notas sobre um escândalo”.
Eu, que já me acostumei a assistir filmes só porque a Cate Blanchett está neles, e não perdi a garantia de ver algo bom novamente. A atriz se expressa com delicadeza e sem vulgaridade, como está difícil de se ver no mainstream atual. Blanchett se defaz da imagem soberana que a Rainha e Galadriel lhe atribuíram para viver uma mulher frágil e perdida.
A visão envolvente de um mundo adulto aparentemente saudável que está em ruínas é maravilhosa. Os caracteres que tipicamente fazem as pessoas se tornarem adultas – ter um emprego, fumar, fazer sexo – são o caminho principal e também o desvio, levando as personagens ao mundo do vício, da manipulação e da fragilidade.
Sheba é pureza e pecado, é a mulher complexa, sua plenitude de defeitos acirra e acende sua beleza. Barbara é a pessoa real tentando viver como um personagem de ficção, forçando o destino da estrada principal. E como boa personagem de ficção que é, nunca aprende.
O filme beira deliciosamente o politicamente incorreto em sua apresentação do homossexualismo, da deficiência mental e da pedofilia – tal ação se faz urgente nestes dias de hoje, em que as pessoas travestem seus demônios e preconceitos com máscaras absurdas de puritanismo e mensagens tão felizes de power-point.
Em face da hibridez das personagens e de suas ações perdidas, o ator principal do filme é o desejo: em seu estado mais puro, manipula e brinca com os bonecos humanos, até que as consequências venham fazer cobranças. E o mundo adulto volta à sua ordem aparente, que, agora sabemos, está sempre a um triz de se romper.
Deixar o mal agir. E depois utilizá-lo como óculos pra perceber que o mundo tem muito mais do que dois lados: é uma moral amoral que “Notas sobre um escândalo” pode legar.