Todas as famílias felizes se parecem, e, por isso, ninguém escreve sobre elas. Se Os Buddenbrooks não tivessem interessado a nenhum leitor, se tivessem aumentado sua riqueza cada vez mais, se Ana Karenina tivesse ficado com seu Karenin, se Leon Tolstoi nunca tivesse formulado aquelas belas frases, então cada família infeliz seria infeliz de um modo muito especial e bem peculiar. Assim, Tolstoi funda a tradição do romance moderno familiar, ao qual se ligam os dois debutes nesse outono – que, particularmente por isso, são recomendáveis, pois indicam uma visão jovem sobre a imagem atual da família.
A expressão “desordem” é, para as famílias catastróficas apresentadas, em si, ainda um pouco atenuante. Os pais de Franziska em Falscher Frühling (ainda não traduzido em português, título literal provável: Falsa Primavera) são daqueles que não se deseja pra ninguém: o pai Lothar, um homem boêmio de teatro, bêbado, maledicente e promíscuo. A mãe Emilie, uma limpinha mulher que fez carreira profissional, e troca a mobília do palco pela do lar, bate em retirada de seu casamento para os braços de um pequeno burguês. Não é nenhuma surpresa que a negligenciada Franziska prefira se ficar no Second life à vida real (no romance, o mundo on-line também se faz presente), e desviar das amizades.
Talvez ela deveria conversar com o estudante de medicina Simon, de Vom Atmen unter Wasser (ainda não traduzido em português, título literal provável: Sobre Respirar Embaixo D’Água). Cuja mãe, Anne, está – desde a morte violenta de sua irmã – quase que tão-somente apática, e tenta se suicidar; enquanto seu pai, Jo, como assistente social, prefere se preocupar com os outros. Perante todos esses erros e confusões com o formato de novela das oito, ficamos desejando a volta daquela narrativa de tipo contemplativo do século 19. Naquela época, quatrocentas páginas eram suficientes e perfeitas para quando, como em Stechlin, um velho morre e dois jovens se casam.
Já que, com a erosão das normas burguesas, a catarse também está banida, hoje deve-se acontecer mais eventos na narrativa. A falência da família, que ainda nos Buddenbrooks se estende por mais quatro gerações, realiza-se, hoje, internamente num indivíduo. Nos meses em que Ana Karenina precisou refletir sobre o olhar de Wronskij, Lothar, de Falscher Frühling, colecionava affairs. O suicídio libertador, por outro lado, perdeu sua força literária, desde que a depressão, de longe, começou a ser percebida como fenômeno medicinal. Como o fim solene da vida e de um livro, não se apresenta mais como a solução. Em vez de, como Ana Karenina, se lançar em frente ao trem, os personagens precisam estender sua indiferença por toda a eternidade, num final aberto.
Em sua maioria, as crianças são quem mais sofrem – antes subtraídas discretamente sob a proteção de uma ama, uma vez que elas atrapalhavam o enredo. Simon e Franziska levantam hoje não só a voz, eles procuram um projeto contra àquele estilhaçado dos pais. Iriam eles se cruzar, iriam até se apaixonar, depois ambos sentiriam falta de um relacionamento, que se elevasse sobre o desgaste do dia-a-dia. Este é um desejo mais belo e muito romântico. Soa quase como o século 19.
(Tradução feita por mim e Francine Camelim do artigo "Wursteln in Ewigkeit", de Inge Kutter, publicado na Zeit Campus de janeiro e fevereiro de 2011)
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Texto original
Wursteln in Ewigkeit
Im Vergleich zu den Katastrophensippen der neuen Romane strahlten die Buddenbroks geradezu vor Glück
Alle glücklichen Familien ähneln einander, und deswegen schreibt auch keiner über sie. Die Buddenbrooks hätten keinen Leser interessiert, hätten sie ihren Reichtem beständig gemehrt, und wäre Anna Karenina bei ihrem Karenin geblieben, Lew Tolstoj hätte nie jenen schönen Satz formuliert, demzufolge jede unglückliche Familie auf ihre ganz besondere und einzigartige Weise unglücklich ist. So aber begründete er die Tradition des modernen Familienromans, an die in diesem Herbst gleich zwei Debüts anknüpfen, die vor allem deswegen lesenswert sind, weil sie eine junge Sicht auf das heutige Familienbild zeigen.
Der Ausdruck "zerrüttet" ist für die darin vorgestellten Katastrophensippen noch ziemlich untertrieben. Franziskas Eltern in Falscher Frühling möchte man niemandem wünschen: Vater Lothar, ein abgehalfterter Theatermacher, saufend, fluchend und promisk. Mutter Emilie, die saubere Karrierefrau, von der Bühnen- zur Innenausstattung umgeschwenkt, flieht vor den Eskapaden ihres Gatten in die Arme eines Biedermannes. Kein Wunder, dass sich die vernachlässigte Franziska lieber in Second Life statt im wahren Leben aufhält (im Roman ist die Online-Welt noch in) und um Freundschaften einen Bogen schlägt.
Vielleicht sollte sie sich mit dem Medizinstudenten Simon aus Vom Atmen unter Wasser unterhalten. Dessen Mutter Anne ist seit dem gewaltsamen Tod seiner Schwester fast nur noch apathisch und hat gerade einen Selbstmordversuch unternommen, während sein Vater Jo sich als Sozialarbeiter lieber um andere kümmert. Angesichts dieser Irrungen und Wirrungen vom Format einer Vorabendsoap wünscht man sich die beschauliche Erzählweise des 19. Jahrhunderts zurück. Damals reichte es für vierhundert Seiten noch vollkommen aus, wenn, wie im Stechlin, ein Alter starb und zwei Junge heirateten.
Weil mit der Erosion bürgerlicher Normen auch die Fallhöhe verschwunden ist, muss heute umso mehr passieren. Der Niedergang einer Familie, der sich bei den Buddenbrooks noch über vier Generationen erstreckte, vollzieht sich heute innerhalb einer einzigen. In den Monaten, die Anna Karenina benötigte, um über Wronskijs Blicke nachzudenken, bringt Lothar aus Falscher Frühling gleich mehrere Affären unter. Der Freitod wiederum hat an literarischer Kraft verloren, seit die Depression weithin als medizinisches Phänomen wahrgenommen wird. Als würdevolles Ende von Leben und Buch ist er keine Lösung mehr. Statt sich wie Anna Karenina vor den Zug zu werfen, müssen die Figuren nach dem offenen Schluss bis in alle Ewigkeit weiterwursteln.
Am meisten leiden dabei die Kinder, die früher diskret in der Obhut einer Amme verschwanden, weil sie die Handlung störten. Simon und Franziska erheben heute aber nicht nur die Stimme, sie suchen auch nach einem Gegenentwurf zum elterlichen Scherbenhaufen. Würden sie sich begegnen, sie würden sich vielleicht sogar verlieben, denn beide sehnen sich nach einer Beziehung, die über alle Alltagsreiberei erhaben ist. Das ist ein schöner Wunsch und ein sehr romantischer. Er klingt fast nach 19. Jahrhundert.