sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Must be talking to an angel


Quando as Spice Girls acabaram, fiquei muito órfã de ídolos. Vivendo aquela fase chatíssima dos 11 anos, início da quinta série, muita espinha, cortei o cabelo curto pra imitar a Victoria e os garotos me olhavam como se eu tivesse me mutilado. Vi o Pato fu no Vídeo Show, com “Antes que seja tarde” ecoando numa praia e a Fernanda Takai muito feliz e suave, com um cabelo curtíssimo repartido ao meio, um “M” de McDonald’s bem estranho. Minha afinidade com ela foi bem visual, mulheres de cabelo curto, de onde eu vim, eram sempre velhas e professorais, mas a Fernanda Takai era uma imagem com frescor. O “Antes que seja tarde” rodou muito comigo nas tardes de tarefa de ciências, “continuo sob a mesma condição” é a exata definição pra passagem da infância pra adolescência, e daí pra idade adulta: se fica na expectativa de algo mudar e nada acontece. A partir de então me tornei facilmente um cosplay de Takai, minha maior emoção e ousadia era vestir saias abaixo do joelho com tênis (só não parecia tão religiosa por causa do cabelo).
Enfim, vê-la no show, tão de perto, foi a impressão de rever uma velha amiga, com quem nunca se conversou. Ela também é tão baixinha, visível no pedestal do microfone, levantado antes e já emoldurando a sua presença. Como ela fala durante o show! Às vezes é chato e desnecessário, mas em muitas outras é engraçado e reforça a sensação de velha amiga, quebra a imagem de fofinha e tímida, que é um tanto enjoativa por mais de meia hora. Bem engraçada mesmo, no caminho do espirituoso – essa bendita palavra que eu gosto mas nunca entendo completamente o que seja.
“Nunca subestime uma mulherzinha” é a lição a se tirar, Takai e Nelson Motta criando a surpresa de fazer os fãs antigos de Nara Leão consumirem a novidade da sua interpretação em “Onde brilhem os olhos seus”, e ao mesmo tempo levar a geração de Pato fu (como eu) a se reconhecerem na cantora carioca. As canções revivendo os anos 80 foram as melhores, com o violão do John me lembrando o “Love Vigilants” do show do Pato fu em Belo Horizonte, acho que em 2000, época do “Televisão de cachorro”, melhor fase da banda. “There must be an angel” foi uma surpresa feliz pra mim, que conhecia a música das minhas tardes chatas de tarefa e Jovem Pan, e ouvindo agora novamente na versão original do Eurythms quase morri com as firulas tristes da cantora e aquela bateria podre de anos 80. “An angel playing with my heart” foi o que Fernanda conseguiu ser ali, divertindo, cutucando, rindo, cantando Duran Duran em sua própria homenagem pra homenagear nossa lembrança de fazer o próprio caminho pelo mundo ordinário.
Não gostei daquele pessoal tentando tirar fotos de jornalista, atirando no show com máquinas, pra divulgar a imagem de uma cantora que a cidade mal conhece – todo mundo que a conhecia devia já estar por lá mesmo.
Pessoalmente, fiquei chateada com os rumos que o Pato fu foi tomando, o rock de John já não é a personalidade da banda, mas sim o pop de Fernanda, desde “Isopor”. E o que eu vi ontem me mostrou como eu subestimei a mulherzinha, que já não é mais tão tímida e infantil assim, sabe bem rir de si mesma, algo que definitivamente eu precisaria aprender com alguma urgência.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Match Point e o problema das referências


Vi Match Point esse mês, bem tarde, considerando a estréia em 2005 e o efeito que o filme já causou. Acredito que minhas impressões sejam as mesmas de outras pessoas da minha geração que estão nesta (inútil) condição universitária como eu. É um belo filme, construído com sagacidade e sutileza: os diálogos quase artificiais de tão rápidos, reproduzindo a dinâmica de um jogo de tênis; as personagens, os closes e beleza tão celebrada atualmente de Jonathan Rhys Meyers e Scarlett Johansson se dispõem harmoniosamente para criar o destaque e o tom de perigo em torno do romance principal.


Foi muito interessante ver as misérias humanas e o fracasso sendo tema da interpretação desses dois modelos de perfeição física de Hollywood, tal sofrimento salvou um pouco a personagem de Scarlett Johansson, afinal, ser atriz e interpretar uma não é exatamente encarnar um novo papel – o que, guardadas as proporções, “quase” me lembra a Beyonce, que fez vários filmes, sempre no papel de cantora, lhe poupando o esforço de atriz.

O que me fez pensar, ao ver o filme, foi problema da apresentação da principal referência literária: Crime e Castigo. Woody Allen realizou o sonho dos “fãs” do livro (principalmente aqueles do nicho do ateísmo panfletário), e retirou o julgamento moral que o protagonista recebia ao fim. Um crime sem castigo.

No início, a história se desenrola sem necessidade da referência, se apoiando na catártica relação de desejo e perigo de Nola e Chris. Mas ele já está lá, Crime e Castigo é o livro de cabeceira do protagonista e o tema de discussão que faz o sogro do rapaz passar a respeitá-lo – o conhecimento é meio de ascensão social. O casal principal também estabelece uma interessante relação de complementação: vindos da mesma origem pobre, Chris interpreta melhor que a atriz Nola o papel de bom rapaz, sendo frio e racional, enquanto a moça não consegue disfarçar seu desespero – tal nuance é uma virtude original da história do filme, o que podia fazê-lo valer por si mesmo, mas, enfim, a presença da referência se reforçava. Chris foi muito mais consciente de seus atos e bem mais vilão que Raskolnikov, mas o desencadeamento dos seus atos combinado com sua beleza tão atrativa convencem a nos fazer desistir de odiá-lo.

Enfim, por que Crime e Castigo? O desejo irresistível de ser poderoso e ter o aval “divino” para matar é bem doentio e cartártico – a força que há em ser Napoleão foi a coisa que mais me identificou com Raskolnikov quando fiz minha primeira leiturinha. Só isso é o suficiente? A referência teve a virtude de aparecer direta, não através de citações pedantes, mas na releitura das ações: o latrocínio, a culpa (a cena do sonho de Chris teve os melhores diálogos do filme), a conversa torturante com o detetive (que infelizmente durou tão pouco).

Mas a escolha deste livro... foi uma referência que facilmente agradaria um público ““intelectual”” (entre várias aspas), sem ficar contra a linha blockbuster, representada pelo perigoso e irresistível romance de dois medalhões da atualidade. Quando se conhece a referência, o espectador se sente lisonjeado em sua inteligência por conseguir identificá-la – o que, combinado com as virtudes originais da história do filme, vira mais uma “sacada” de mestre do que questão de sorte, tão citada lá. Woody Allen foi muito inteligente por nos fazer sentir inteligentes com uma referência tão canônica e (deveria ser) tão conhecida como Crime e Castigo. Falo isso porque li “A folha por Nigle” de Tolkien, recentemente, e a falta de referências me assustou. Me senti uma completa idiota por não conhecer nada de cultura nórdica (que pude saber que é uma das principais referências dele) e por não conseguir acompanhar o ritmo da narrativa, que não tinha nenhuma parada para reflexão psicológica (outro método para nos dar o poder da inteligência: a impressão de que entendemos o que se passa na mente de um personagem – e nem temos o domínio da nossa própria mente!).

O que se faz quando não se sabe do que uma história está falando? Ou se joga ela e suas referências fora e as julga menos importantes das que já foram adquiridas, ou se admite a falta de conhecimento e a necessidade de trilhar um caminho do zero. Sem dúvida, a última demanda um esforço maior. O que é ser inteligente, então? Bom, por ora acho que inteligência é uma lenda, mas as ilusões que temos por ela são extremamente perigosas.

Uma coisinha

Como falei que talvez eu comece a fazer alguma coisa mais construtiva na vida, vou usar esse blog pra comentar filmes e livros e essas coisas, copiando vários colegas meus de faculdade (esse blog começou motivado por essa idéia de cópia, e assim ele segue), para praticar a escrita, tentar melhorar. Espero melhorar minha auto-imagem me lendo por aqui.