quarta-feira, 20 de julho de 2011

Como ser humano


Ver a Alemanha foi um choque. Berço de vários humanismos e de uma arte auto-crítica de nível, o país foi espiritualmente arrasado pela guerra. As maiores qualidades alemãs mal estão nas ruas, na tv, na fala das pessoas. Tudo virou culpa, tentativa falsa de apaziguamento, desconforto estranho com o estrangeiro ou o diferente: deixá-lo no limbo do silêncio. A globalização mal chegou ou é muito localizada, intercâmbio só entre iguais. Ou tudo virou um imenso Estados Unidos, com consumo desenfreado de produtos todos iguais pra disfarçar a História. O sentimento injusto de sequestro da História no ar que se respira. Não seqüestro, mas um direcionamento violento, que não deixa espaço pra nada conotativo.

Voltar pro Brasil foi estar ineditamente perdida, pensar em desistir de um caminho iniciado há sete anos. Mas, felizmente, tive a oportunidade de ver algo que me salvou de mim.

Superficial ou profundamente, Werner Herzog poderia ter nascido em qualquer país. Seus temas são o homem, a natureza, o sonho, as relações. Não teve educação formal pra profissão, mas traz alguns bons valores de outras filosofias alemãs, desenha entre si e elas um traço de continuidade espontâneo.

Há o humanamente construído, o social, e o natural. Os dois dizem respeito ao homem e às suas possibilidades, mas é realmente ruim saber que há um esforço do mercado em nos tornar consumidores, homens com traços específicos de socialidade, apenas. Naturalizar o social e estranhar as tempestades, temer a terra, o desconforto, fazer do corpo casa pra somente prazeres temporários, simplificar, banalizar o humano na vida, fazê-lo vendável e saciável com bobagens.

Herzog, como seus personagens, se pauta em fortes questões existenciais. Como manter a integridade de um indivíduo, suas aspirações românticas (que apesar de serem, muitas vezes, irrealizáveis, mantém o mínimo de fé e ligação à vida), sua sensibilidade ao real e à dificuldade sem recorrer à cafonice dos livros de auto-ajuda, mensagens de powerpoint, fanatismo religioso, psicólogos, anti-depressivos, jogatina, novelas, drogas, pornografia, jogos de futebol e promiscuidade? Como alimentar a autonomia e autenticidade individual e não a ansiedade e as carências?

Não há resposta. Herzog estamenta a vida como luta infinda, solitária, titânica e inútil pela dignidade; uma vez que somos oprimidos e limitados por imagens midiáticas kitsch e pela venda de nossa capacidade (na maioria das vezes) somente prática de trabalho. A revolta titânica contra forças enormes e ideologias imprecisas é ridícula, mas é a única coisa a se fazer.

Herzog mostra que o sonho burguês de vencer na vida e merecer a atenção do outro é de todos: cegos, surdos, anões, soldados de segunda classe, reféns seculares de cavernas, ursos, astronautas frustrados – a busca por afeto e reconhecimento ainda é mais forte e universal do que o status financeiro ou a pulsão pelo consumo.

O mundo se tornou muito complexo, milhares de modos de vida diferentes foram descobertos, é injusto e anacrônico que um eurocentrismo ou o consumismo sejam a medida para todas as coisas: “nossa iconografia [a que nos bombardeia a mídia e propaganda] é pobre para nosso tempo”, diz Herzog. Assim, o diretor é igualmente agressivo ao apresentar imagens de expedições espaciais acompanhadas por músicas tribais como arte, ou homens que abdicam de seu conforto por um sonho/impulso aparentemente bobo e inexplicável – nossa sensibilidade com o verdadeiramente humano anda fraca.

Minhas ideias também andam embasadas num subtexto de fim da guerra fria, luta de valores antigos europeus (comunismo) com os “novos” estadunidenses (o predomínio da técnica, velocidade, eficiência). O último ganhou, mas os humanos ainda insistem no humanismo, em ter sentimentos como amor ou tristeza, em sonhar, em doar. Se alguma ordem econômica/social se aproximar disso e não podá-lo, talvez teria algum sucesso.

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