segunda-feira, 5 de julho de 2010

Andy Warhol, vai tomar no cu


E a vida ataca cruelmente, de novo, quando você menos espera. Que tal tomar um soco na cara pra desfigurar o rosto e doer por uns bons meses? Então.

Andy Warhol é lacônico como a era quando nasceu, como a era que ele produziu. A força impactante da promessa vazia da propaganda, que sempre caímos porque somos pegos pelo nosso pior lado, nossa carência, nossa necessidade. A culpa posterior pelo que achávamos inconsciência e era a expressão do nosso desejo mais real, íntimo e sujo, aquele “eu” que não conhecíamos e é mais nós mesmos do que a imagem consciente que fazemos de nós.

Lacônico como as representações religiosas, que não tem nenhuma mensagem complexa e verborrágica pra passar, a não ser a inexorabilidade da emoção ou nossa impotência diante do eterno.

A ideia do sonho americano repousando nas figuras e no próprio Andy Warhol, que ascendeu da pobreza ao estrelato; o suicídio e os acidentes de carro com significados subvertidos: nos fascinamos muito mais com a desgraça alheia do que com qualquer outra coisa.

Há o constante movimento entre a glamourização do comum e a banalização do glamouroso, atores hollywoodianos em suas caras comuns acabadas de festa, os produtos estúpidos que a propaganda endeusa, a vida dos Kennedy, tão ordinária quanto a nossa, mas que sabe-se lá porquê tem toda a nossa reverência.

Pra piorar, tudo engolfado por uma nada suave atmosfera de morte, sexo e abismo. Como sempre, o sexo é a pior parte, diga lá quem não tem seus medos mais queridos morando nessa área obscura. E aí Andy Warhol resolve todos os seus problemas com mais problemas, ou mais laconismo, ou o bom e velho e doído platonismo: “O sexo é uma ilusão. O mais excitante é não fazê-lo”, “A fonte dos problemas das pessoas são suas fantasias, se você não tivesse fantasias não teria problemas. Porque você aceitaria qualquer coisa que estivesse na sua frente, mas aí você não teria romance porque romance é encontrar sua fantasia em pessoas que não são sua fantasia...” – esse último doeu tanto que li literalmente e fui praticar na vida com toda a efusividade que me é incorrigível e, bem, no meio de tanta fantasia a realidade chamou tudo pro ordinário de novo, como deve ser.

A figura de Marilyn é serigrafada até perder o sentido, como aquelas canções que você escuta mil vezes. A beleza tão certa dela começa a virar um desconforto, sua boca é torta, seu sorriso, contrariado.

Enfim, uma atmosfera de pesadelo, uma vontade de vomitar. E pra continuar a iconoclastia de tornar ícone o que não é icônico, lanço no título a melhor oração que o santo Andy Warhol (forjador bem-sucedido da própria santidade) pode pedir de nós, seus fiéis perdidos na selva dos apelos.

O quê? Essa resenha tá em contradição com a de baixo? Imagina, minha coerência é que é alternativa.

domingo, 4 de julho de 2010

Let-down souls can feel no rhythm


Eu gosto do Beck Hansen. Ele sim sabe desdobrar seu pensamento em várias faces, transforma a mesma matéria prima em coisas diferentes, perto dele, Jack White fica só um obsessivo monológico (e são bem amigos, mas o discurso de um não constitui o outro). E aí, Charlotte Gainsbourg, filha do casal mais je t’aime mon amour do mundo, tem a missão fácil e difícil de fazer música francesa com uma cara mais contemporânea, precisa ir além dos clichês. Casamento perfeito! IRM é uma diversão com a voz doce e quase monótona de Charlotte jogada em alto contraste com os ritmos marcados e variantes da mente de um Beck (sem ambiguidades, viu). Aquela influência indisfarçável do Brasil, na percussão e numa ideia de berimbau, que foi se adensando na carreira do cantor desde Information, vai tomando uma forma mais personalizada e menos caricata ao lado da suavidade de Gainsbourg. Há a homenagem a diferentes estilos musicais, “releituras de quadros famosos” sob uma outra perspectiva, não original mas sempre na intenção de chegar lá, o pós-moderno mais puro e do bom (uma pinga). Sim, o romantismo e seu ideal de total originalidade já era até pros próprios românticos (Goethe que o diga e que o superou no auge, fim do século XVIII), mas se faz necessário falar, se expressar apesar do peso todo da tradição, não somos os inventores da roda mas somos quem a faz girar até hoje.

Um blues hard-rock-led-zeppelin como nos bons tempos é “Looking glass blues”, um folk da vovó Bob Dylan é “Heaven can wait” (que tem um clipe maravilhoso e responde com muita dignidade a essa inegável necessidade audiovisual da música contemporânea), “Le Chat du Café des Artistes” é uma canção de filme noir francês com alto contraste entre o comedimento feminino de Gainsbourg e o tom de terror inevitável dos violinos (e escutei mil vezes que quero morar nesses filmes), “In the end” é um belo representante da singela canção francesa e sua quase cafonice das Carla Bruni da vida, e “IRM” e “Master’s hands” são a loucura de um perfume de percussão brasileira contra (que virou a favor d’) a elegância francesa.

Pescando a filosofia da minha canção predileta do Beck, “Cellphone’s dead”, let-down souls can feel no rhythm, ou seja, toda a música é universal e dois corpos completamente alheios podem co-habitar o mesmo espaço, ou ainda, basta ser homem e de boa vontade pra fazer e apreciar a boa obra, ou mais, não basta estar vivo tem que existir na Terra, ou mais ainda, tem que ter muita coragem pra ser você mesmo que é uma cópia de tudo que já existiu mas na intenção do novo, “na eterna esteira do cratilismo” – nas palavras do outro vovô, Blikstein.

Escrevendo sobre várias coisas pra sempre chegar à mesma conclusão. Malz ae galera, é a fase.

sábado, 3 de julho de 2010

O milagre da multiplicação ou isto não é uma resenha



Um dia você tá lá, vivendo sua vida mais que ordinária, pobre ética e esteticamente, e vai despretenciosamente assistir à uma peça que mostra as inúmeras possibilidades de se fazer uma mesma coisa. Epifania. Não queria sempre me surpreender tanto assim que isso é falta de fé na humanidade, mas enfim, variações do mesmo tema, mudanças, novos pontos de vista, de repente a fartura jorrante nessa vida que eu só ponho os óculos da miséria pra enxergar: chorei como criança, pra variar.

“Primeiras rosas” é um primor de recursos: teatro de sombras, de bonecos, de atores, vídeo, dança. Guimarães Rosa desce do céu inatingível dos escritores consagrados pra existir finalmente em carne e espírito no meio de nós. A representação de “A terceira margem do rio” é a coisa mais triste e doída da vida e também é um Hamlet. A luz serve de câmera no teatro de sombras. Todos os atores são bonitos, com seus rostos sorrindo, acompanhando e fazendo a expressão dos bonecos. A beleza deles só existe porque todos são um conjunto de partes inseparáveis, a beleza de um se completa no sorriso do outro que ganha sentido no gesto do outro, it’s a chain reaction dizem os filósofos rappers. Que coisa incrível se consegue fazer em grupo quando não se tem preguiça ou se reclama, mas há humildade, bem já sabia minha vó.

Lindo também é o silêncio, poucos diálogos e pouca reconstrução forçada do narrador rosiano, mas profusão de imagens e cores desencadeadoras de todas as emoções que os homens de boa vontade estiverem dispostos a sentir. Sentidos disparando por todos os lados, dói não conseguir pegar todos, mas sempre uma bala atinge seu coração e você sangra todo feliz.

Nunca se surpreenda, sempre reconheça, veja como familiar.

Tom professoral, sou tua escrava não, mas num foi hoje que te superei, haha.