sábado, 3 de julho de 2010

O milagre da multiplicação ou isto não é uma resenha



Um dia você tá lá, vivendo sua vida mais que ordinária, pobre ética e esteticamente, e vai despretenciosamente assistir à uma peça que mostra as inúmeras possibilidades de se fazer uma mesma coisa. Epifania. Não queria sempre me surpreender tanto assim que isso é falta de fé na humanidade, mas enfim, variações do mesmo tema, mudanças, novos pontos de vista, de repente a fartura jorrante nessa vida que eu só ponho os óculos da miséria pra enxergar: chorei como criança, pra variar.

“Primeiras rosas” é um primor de recursos: teatro de sombras, de bonecos, de atores, vídeo, dança. Guimarães Rosa desce do céu inatingível dos escritores consagrados pra existir finalmente em carne e espírito no meio de nós. A representação de “A terceira margem do rio” é a coisa mais triste e doída da vida e também é um Hamlet. A luz serve de câmera no teatro de sombras. Todos os atores são bonitos, com seus rostos sorrindo, acompanhando e fazendo a expressão dos bonecos. A beleza deles só existe porque todos são um conjunto de partes inseparáveis, a beleza de um se completa no sorriso do outro que ganha sentido no gesto do outro, it’s a chain reaction dizem os filósofos rappers. Que coisa incrível se consegue fazer em grupo quando não se tem preguiça ou se reclama, mas há humildade, bem já sabia minha vó.

Lindo também é o silêncio, poucos diálogos e pouca reconstrução forçada do narrador rosiano, mas profusão de imagens e cores desencadeadoras de todas as emoções que os homens de boa vontade estiverem dispostos a sentir. Sentidos disparando por todos os lados, dói não conseguir pegar todos, mas sempre uma bala atinge seu coração e você sangra todo feliz.

Nunca se surpreenda, sempre reconheça, veja como familiar.

Tom professoral, sou tua escrava não, mas num foi hoje que te superei, haha.

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