domingo, 4 de julho de 2010

Let-down souls can feel no rhythm


Eu gosto do Beck Hansen. Ele sim sabe desdobrar seu pensamento em várias faces, transforma a mesma matéria prima em coisas diferentes, perto dele, Jack White fica só um obsessivo monológico (e são bem amigos, mas o discurso de um não constitui o outro). E aí, Charlotte Gainsbourg, filha do casal mais je t’aime mon amour do mundo, tem a missão fácil e difícil de fazer música francesa com uma cara mais contemporânea, precisa ir além dos clichês. Casamento perfeito! IRM é uma diversão com a voz doce e quase monótona de Charlotte jogada em alto contraste com os ritmos marcados e variantes da mente de um Beck (sem ambiguidades, viu). Aquela influência indisfarçável do Brasil, na percussão e numa ideia de berimbau, que foi se adensando na carreira do cantor desde Information, vai tomando uma forma mais personalizada e menos caricata ao lado da suavidade de Gainsbourg. Há a homenagem a diferentes estilos musicais, “releituras de quadros famosos” sob uma outra perspectiva, não original mas sempre na intenção de chegar lá, o pós-moderno mais puro e do bom (uma pinga). Sim, o romantismo e seu ideal de total originalidade já era até pros próprios românticos (Goethe que o diga e que o superou no auge, fim do século XVIII), mas se faz necessário falar, se expressar apesar do peso todo da tradição, não somos os inventores da roda mas somos quem a faz girar até hoje.

Um blues hard-rock-led-zeppelin como nos bons tempos é “Looking glass blues”, um folk da vovó Bob Dylan é “Heaven can wait” (que tem um clipe maravilhoso e responde com muita dignidade a essa inegável necessidade audiovisual da música contemporânea), “Le Chat du Café des Artistes” é uma canção de filme noir francês com alto contraste entre o comedimento feminino de Gainsbourg e o tom de terror inevitável dos violinos (e escutei mil vezes que quero morar nesses filmes), “In the end” é um belo representante da singela canção francesa e sua quase cafonice das Carla Bruni da vida, e “IRM” e “Master’s hands” são a loucura de um perfume de percussão brasileira contra (que virou a favor d’) a elegância francesa.

Pescando a filosofia da minha canção predileta do Beck, “Cellphone’s dead”, let-down souls can feel no rhythm, ou seja, toda a música é universal e dois corpos completamente alheios podem co-habitar o mesmo espaço, ou ainda, basta ser homem e de boa vontade pra fazer e apreciar a boa obra, ou mais, não basta estar vivo tem que existir na Terra, ou mais ainda, tem que ter muita coragem pra ser você mesmo que é uma cópia de tudo que já existiu mas na intenção do novo, “na eterna esteira do cratilismo” – nas palavras do outro vovô, Blikstein.

Escrevendo sobre várias coisas pra sempre chegar à mesma conclusão. Malz ae galera, é a fase.

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